Sidnei França: o carnavalesco dos enredos fortes e marcantes

Campeão no primeiro ano de Águia de Ouro, em 2020, Sidnei destaca trabalhos de sua trajetória e reforça ter o ser humano como referência no desenvolvimento dos projetos 

Ele, praticamente, nasceu dentro de uma quadra de escola de samba. A mãe foi passista do G.R.C.E.S. Mocidade Alegre, na década de 1970. Sidnei França começou a frequentar a quadra, desde os dois anos de idade, até integrar a comissão de carnaval, em 2003, e assinar os desfiles da agremiação por quatro anos. Formado em economia, ele não chegou a atuar na área, mas para nossa sorte focou no trabalho do carnaval. 

“Minhas primeiras lembranças na quadra da Mocidade Alegre é de quando eu tinha entre dois e três anos de idade. Muitas pessoas que, hoje são da velha guarda na escola, me pegaram no colo e lembram de mim criança. Tenho uma história muito forte com a agremiação. Desfilei na ala das crianças, de adultos, até que, em 2003, quando eu tinha 23 anos, a Solange Bichara assumiu a presidência e me chamou para fazer parte da diretoria, à frente da Comissão de Carnaval que ela criou. Digo sempre que ela foi visionária em colocar sangue jovem para dar uma ‘levantada’ na escola”, conta.

Em 2008, França passou a defender a Morada do Samba como carnavalesco, quando também conquistou quatro campeonatos, sendo em 2009 com o enredo “Da Chama da Razão ao Palco das Emoções… Sou Máquina, Sou Vida… Sou Coração Pulsando Forte na Avenida” (com Fábio Lima, Flávio Campello e Márcio Gonçalves). Em 2012, “Ojuobá – No Céu, os Olhos do Rei… Na Terra, a Morada dos Milagres… No Coração, Um Obá Muito Amado”. A conquista em 2013 foi com “A Sedução me fez provar, me entregar à Tentação… Da Versão Original, qual será o final?”. Em 2014, “Andar com fé eu vou que a fé não costuma falhar”. Sendo que nos três anos seguidos, desenvolvendo os projetos em parceria com Márcio Gonçalves.

Trajetória com enredos fortes e desfiles marcantes

Depois de praticamente uma ‘residência’ na Mocidade Alegre, França decidiu que deveria sair da zona de conforto para encarar novos desafios. Assim, só somou sucesso e alegrias, desenvolvendo trabalhos em grandes agremiações. “Eu nunca tive medo do novo. Quando eu saí da Mocidade Alegre foi uma opção minha. Na ocasião, eu pensei que estava na hora de sair de casa. Foi um choque porque eu tinha uma ligação muito forte, mas era preciso conhecer o novo”, pontua.

Unidos de Vila Maria 2017

Fora da Morada, ele desenvolveu um projeto marcante na Unidos de Vila Maria, em 2017, quando defendeu o enredo “Aparecida – A Rainha do Brasil. 300 anos de amor e fé no coração do povo brasileiro”. No ano seguinte, na Gaviões da Fiel, ele transformou um enredo sobre a cidade de Guarulhos, da Grande São Paulo, em uma lenda na avenida.

“A escola não esperava. Foi um clima muito bom e uma coisa que era para ser didática, se transformou em lúdica. Eu só tive presente na minha trajetória com esses enredos, que desenvolvi com muita informação cultural”, destaca. 

Gaviões da Fiel 2018

Em 2019, ainda na agremiação do Bom Retiro, ele projetou a primeira reedição no Grupo Especial levando para o Sambódromo, o enredo “A Saliva do Santo e o Veneno da Serpente”, do carnaval de 1994, quando a escola foi vice-campeã. 

Os enredos de França são característicos por valorizar a ser humano. Como ele mesmo diz tem sempre uma veia humanista forte. “Eu valorizo muito a questão do humanismo dentro da linguagem da proposta. Outra questão que levo em conta, quando desenvolvo um trabalho é que, com a maturidade dos meus 40 anos, mais vale o meu discurso no carnaval, do que se as pessoas vão falar se o desfile foi bonito ou feio. Claro que não quero fazer nada feio, mas pra mim, a raiz do meu trabalho está no discurso, na mensagem, ou seja, quanto vai enraizar nas vidas das pessoas”, pontua. 

Hiperativo declarado, o carnavalesco brinca dizendo que o sonho dele é ter uma impressora que imprima os pensamentos, para que os projetos acompanhem o brilho todo de quando são imaginados. “Queria ter uma impressora de pensamentos porque parece que meu cérebro está além do que eu desenho. Eu posso escrever um texto ou desenhar, que não vai acompanhar o sentido que aquilo faz na minha mente”, diz ele, que é, também, muito exigente e autocrítico. Já ocorreu de criar um carro alegórico e achar horrível no primeiro momento. Depois de algum tempo voltar ao projeto e questionar se não tinha sido muito cruel com ele mesmo. 

O carnavalesco tem o suporte de uma espécie de ‘equipe de linha de frente’. Pessoas que são muito próximas a ele, durante todo o processo: um designer gráfico, que cuida da criação da logomarca do enredo e demais artes; uma assistente direta, que inicia quando chega o momento da escola ir à procura dos tecidos e texturas, quando vai a campo buscar amostras; e um aderecista, que desenvolve as peças-piloto. “Todos afinados com meu estilo, gosto, preferências. Eles vão dando o corte. Estão sempre comigo na avenida. Eles sabem cada detalhe de tudo o que compõem as alas. Os três me dão todo o tipo de suporte e são muito alinhados com meu estilo de trabalhar. Eles são da linha de frente e replicam para os demais. Eu acompanho tudo de perto, no barracão, onde tem as linhas de produção para cada etapa e eu preciso dialogar com todos”, explica.

Águia de Ouro e Carnaval 2021

Águia de Ouro 2020

Em sua estreia na Águia de Ouro, Sidnei França conquista o campeonato de 2020 com o enredo “O poder do saber – se saber é poder… quem sabe faz a hora, não espera acontecer”, marcando a história da agremiação, que nos 44 anos de fundação, nunca havia ganhado um título. “O campeonato na Águia de Ouro é muito honroso e eu atribuo essa conquista a três fatores. O primeiro é a mensagem do tema porque ele coroa a escolha por um enredo muito especial pra mim que foi falar sobre Saber e Educação. Segundo, porque de alguma maneira, eu marquei meu nome na história da escola por ganhar seu primeiro campeonato e daqui uns 10 ou 50 anos, alguém vai falar qual foi o enredo e o carnavalesco. O terceiro fator é consagrar um modelo de trabalho entre eu e o presidente Sidnei Carriuolo. Criamos um canal de entendimento, onde não fui vaidoso como criador nem como mandatário. Poderia ter dado algum choque, mas ele foi tão sábio em conseguir um equilíbrio, que esse foi o maior mérito pra escola chegar inteira no desfile”, destaca. 

O enredo para o próximo ano foi divulgado ao vivo, durante evento online realizado no dia 09 de maio, em comemoração ao aniversário de 44 anos da escola. “Afoxé de Oxalá – No ‘Cortejo de Babá’, Um Canto de Luz em Tempo de Trevas” foi inspirado na canção do historiador, professor, compositor e escritor Luiz Antônio Simas, intitulada ‘No Cortejo de Babà / Afoxé de Oxalá’.

Sobre os boatos de um possível cancelamento ou adiamento do carnaval, França diz que tem se preparado, de acordo como seria o calendário sem a quarentena, com as atividades iniciais de concepção e preparação do enredo, pesquisa e planejamento. “Eu não sei o que vai acontecer e admito que tenho medo de não haver carnaval. Se isso ocorrer, eu preciso ter a resignação de que não será uma agressão ao meu trabalho, mas sim porque se trata de uma necessidade da humanidade”, finaliza. 

Ainda sobre as incertezas que vivemos por conta da COVID-19, o carnavalesco afirma preferir viver um dia de cada vez, porém se preparando para um carnaval mais difícil financeiramente. “Será o momento de provamos que um samba enredo inspirador também é um bálsamo para um povo sofrido. O carnavalesco deve entender que beleza não está atrelada somente a materiais caros e colocar a criatividade para funcionar. Eu acho que devemos ter uma visão otimista sobre tudo na vida, mesmo diante das dificuldades. Em termos de carnaval, eu estou trabalhando para o melhor, ainda que o pior aconteça. Tenho o tema e o enredo e agora e trabalhar de que forma vamos desenvolver”, conclui.

Mônica Silva

Paulistana, da Freguesia do Ó. Jornalista, assessora de imprensa, especialista em produção editorial para publicações em segmentos diversos. Sempre teve Rosas de Ouro como primeira referência de carnaval. Já desfilou pelo Império de Casa Verde e também frequenta ensaios nas quadras das principais agremiações da zona norte.

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