O nascimento de um samba-enredo

Antes de ‘levantar a galera’ na avenida, o processo que envolve composição, gravação e finalização é complexo e pede muita dedicação de compositores, músicos, mestres e diretores de bateria

Gravação CD Liga SP
Foto: Mônica Silva

Sabe aquele samba-enredo da escola do coração, que a gente canta em casa, nos ensaios, no dia do desfile e sempre que sentimos saudades do carnaval? Ele pode já estar pronto ou em processo de criação, neste exato momento. Para contar um pouco sobre a dinâmica de composição, gravação, mixagem e lançamento do CD oficial, nós conversamos com Marcelo Casa Nossa, o Chefia, que há três anos assina a produção do CD Oficial da Liga das Escolas de Samba de SP, Grupo Especial e Acesso. Ele também compõe para muitas agremiações. 

Antes de contar o caminho do samba, até o lançamento do CD é importante reforçarmos três definições que são ainda confundidas por muitas pessoas. A primeira delas é o enredo, que é geralmente definido entre direção da escola e carnavalesco. A partir daí, uma sinopse é escrita com toda a temática que será levada para a avenida, durante o desfile. Já o samba-enredo ou samba de enredo é composto de letra e, também, de ritmo definido entre mestres e diretores de bateria, criados com cada naipe (instrumento).

Mesmo com todas as dificuldades e incertezas sobre a realização do carnaval no próximo ano, as escolas de samba estão cumprindo suas agendas e, entre as atividades, muitas delas já definiram seu enredos e fizeram os anúncios pela internet, nas redes sociais, hoje, principal canal de comunicação com suas comunidades e público em geral. 

A partir da definição do enredo é dada a largada para mais uma etapa muito importante do carnaval: a explanação do mesmo para os compositores que irão escrever as letras dos sambas e também farão parte das etapas de disputa, defendendo suas composições, até a final, quando ocorre a definição, por votação durante grandes eventos e muita torcida, nas respectivas quadras das agremiações.

Marcelo Casa Nossa
Foto: Marcelo Casa Nossa | Reprodução Facebook

Porém, por conta do isolamento social, não serão realizadas as tão esperadas festas para a escolha dos sambas e tudo será definido virtualmente. Algumas escolas pulam esse processo contratando compositores para a criação do samba. 

Muitas vezes, um samba-enredo geralmente nasce, a partir de uma parceria com demais  compositores e isso já ocorreu com o Chefia. “No momento da composição é uma democracia, mas cada um acaba tendo um feeling com uma escola. Eu tenho uma coisa muito forte com a Mancha Verde, por exemplo. Mas olha só que interessante, eu tenho 10 títulos em São Paulo, sendo seis deles, na Sociedade Rosas de Ouro, onde minha mãe foi da ala das baianas, por um tempo. Meu tio participou da fundação da escola e nos levava para os ensaios. Então, eu tenho uma  ligação muito forte com a escola por ser do bairro. Porém com o tempo e minha profissionalização no carnaval, acabei perdendo o laço, mas eu amo a Rosas de Ouro”, conta. 

Neste momento, os compositores já estão trabalhando a todo vapor debruçados na sinopses (documento onde o carnavalesco detalha toda pesquisa realizada sobre o enredo, assim como levará o desfile para a avenida) que já receberam para desenvolver o melhores sambas para o próximo campeonato. “Eu acho que esta é a melhor safra de enredos da história. Não tem enredo ruim em São Paulo. Tudo o que foi anunciado é muito legal. Estamos todos trabalhando, mas com uma interrogação gigante na cabeça. Não sabemos o que vai acontecer. Espero que fique, por enquanto, na interrogação e não tenha exclamação, porque quando tiver exclamação é porque já era!”, aponta. 

10 dias de gravação na tenda e finalização em estúdio
Gravação do CD da Liga SP
Foto: Gravação do CD da Liga SP, em 2019 | Mônica Silva

Sambas definidos nas escolas, Casa Nossa, junto a um time de músicos que o acompanha nas sessões de gravações ao vivo, seguem para a estrutura montada dentro da Fábrica do Samba, onde as escolas levam seus ritmistas, componentes para fazerem o coro, assim como intérpretes oficiais, entre outros componentes. “De acordo com o cronograma, as gravações têm início no final de setembro. Quando eu estou gravando, já faço reunião com as escolas para falarmos. Sempre em busca da excelência, nós vamos discutindo o melhor arranjo com os diretores de bateria para definirmos compassos, introdução e outros detalhes. Ou seja, o mês de setembro já começa com todo o vapor. Mesmo período que começam os ensaios de quadra praticamente!”, explica. 

Segundo Casa Nossa, antes de iniciar os 10 dias na  tenda, ele já começa a trabalhar no CD das agremiações do Acesso 2. “Faço antes para não ficar em cima da hora. O trabalho na tenda é muito cansativo, então eu prefiro me programar desta forma para adiantar o máximo que posso”.

Gravação CD da Liga SP
Foto: Mônica Silva

São dias muito intensos, quando Casa Nossa, muito exigente, grava, regrava, volta, pede para mudar um acorde, até chegar ao resultado satisfatório. “Eu costumo dizer que mixagem, a gente não termina, mas desiste. Se ao terminar o trabalho no estúdio levar para casa pra ouvir é certeza que terá mais 10 coisas que vai querer  mudar. Tem um tamborim ou um violão sete cordas para aumentar o volume, ou seja, sempre haverá algo. Eu mesmo, quando ouço o CD pronto questiono alguma coisa,” conta.

Depois de pronto, geralmente no mês de novembro, o CD é lançado com uma já tradicional festa realizada na Fábrica do Samba que conta com apresentações das agremiações e seus pavilhões e com a participação de suas respectivas comunidades.   

“O produtor é o cara que materializa o sonho do compositor, do componente da escola e do carnaval. Eu tenho que fazer para que o resultado tenha a melhor qualidade possível e pra isso eu conto com o meu time de confiança. São músicos que vão sinalizar quando um tom de um arranjo não está de acordo para um intérprete. Essas pessoas precisam saber ler uma partitura e entender música. Preciso espremer a laranja até o último caldo, mas ela precisa ser boa”, afirma Chefia. 

A próxima etapa é comunidade decorar o samba-enredo e se preparar nos ensaios para quando chegar o grande dia, evoluir e atingir a conquista do título! Com sua experiência em produção musical, ele já consegue sentir quando um samba-enredo vai levantar a galera. “Quando o samba bate no meu coração é difícil eu errar. Foi o que eu senti com ‘A Amizade. A Mancha Agradece do Fundo do Nosso Quintal’, da Mancha Verde, que homenageou o grupo Fundo de Quintal, em 2018. O que aconteceu com esse samba na avenida é o mesmo que acontece na quadra. Parece algo de outro mundo. Mas tem um que faz a minha cabeça, o ‘No Xirê do Anhembi, a Oxum mais bonita surgiu… Menininha, mãe da Bahia – Ialorixá do Brasil’, que eu fiz para o Vai-Vai. Esse pra mim é uma loucura e perfeita oração!”, destaca.

Quem é Marcelo Casa Nossa?

Formado em Educação Física (sim!), ele é diretor de carnaval, compositor e produtor. Desde 1981 no carnaval, Chefia tem aproximadamente 60 trabalhos produzidos, entre CDs e DVDs de artistas e agremiações. Um dos únicos (senão o único!) que já foi contratado por Leandro Lehart para liderar um projeto do cantor, que sempre cuidou pessoalmente de suas produções. 

Na produção musical do carnaval, Casa Nossa cuidou por três anos seguidos (2018 a 2019), do CDs Oficiais de São Paulo, sendo Grupo de Acesso e Especial. O trabalho não é fácil e

Marcelo Casa Nossa
Foto: Marcelo Casa Nossa | Acervo Pessoal

são muitas horas de gravação, até atingir o tom perfeito (ou quase!). Ele contou que acabou de entregar o samba-enredo da Mancha Verde e que está finalizando Águia de Ouro. Além dessas agremiações, Chefia também irá compor para Dragões, TucuruviImpério de Casa Verde, TUP e para a carioca Mocidade Independente de Padre Miguel

Atualmente, ele se dedica aos ajustes finais para o lançamento do CD do Grupo Casa Nossa, que ele faz parte e que está voltando em comemoração aos 30 anos de carreira. O trabalho, provavelmente, estará no mercado, ainda no final deste mês. 

Sobre o momento das lives, Casa Nossa tem observado bastante essa movimentação e já nos adiantou o que pretende. “Estou achando algo muito legal e quero aprender logo. Fui na live em homenagem ao Reinaldo e estou buscando por mais informações com especialistas de Youtube e Facebook pra entender melhor. Devo fazer alguma coisa em breve!”, adianta. 

Mônica Silva

Paulistana, da Freguesia do Ó. Jornalista, assessora de imprensa, especialista em produção editorial para publicações em segmentos diversos. Sempre teve Rosas de Ouro como primeira referência de carnaval. Já desfilou pelo Império de Casa Verde e também frequenta ensaios nas quadras das principais agremiações da zona norte.

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