UESP – A Matriz do Samba

Alexandre Magno, o Nenê, fala sobre a importância da entidade para o carnaval paulistano e a função social das escolas de samba para sociedade

São quase 50 anos de história e contribuição para o carnaval, na capital paulista. A União das Escolas de Samba Paulistanas (UESP) tem em sua base, a essência de uma das principais manifestações culturais do país. Como um sindicado das escolas de samba, a entidade tem a função de fazer a ponte, entre o poder público e as agremiações filiadas, sendo 48 escolas de samba, divididas entre grupo de acesso e especial, e 16 blocos.

Interface entre poder público e as 64 agremiações, a entidade tem resistido a situações difíceis. “A UESP organiza o carnaval de bairro de São Paulo. Além de fomentar a cultura brasileira, principalmente a de herança de matrizes africanas, também é um órgão de interface, entre o poder público e as escolas de samba afiliadas. Gerencia o concurso e serve como um sindicato para as agremiações. Essa é a nossa função institucional. Somos a segunda entidade que existe para a realização do carnaval. A primeira foi a Federação das Escolas de Samba, que não existe mais, mas que foi fundada com o intuito de aprimorar as relações políticas. A partir da primeira verba, recebida para o evento, se fez necessário a existência de uma entidade para a gestão”, explica Alexandre Magno, o Nenê, presidente da UESP.

A divisão também ocorre em grupo especial e acesso, que realizam suas apresentações em ruas da zona leste, no bairro de Vila Esperança, e zona sul de São Paulo, no Butantã. Ocorriam também, na região central, na avenida São João. Porém, com o crescimento dos blocos de rua e, rotas com passagem, em praticamente todas as principais vias da cidade, a concentração ficou em dois bairros.

Local do desfile - UESP
Local do desfile - UESP

“Para o carnaval 2021 estamos discutindo sair da Avenida São João. Ali temos toda a memória dos tempos de romantismo do carnaval, nas décadas de 60 e 70. Porém, justamente por dificuldades logísticas para chegar, montar a estrutura, organizar as agremiações e o com o acesso mais complicado, por conta da movimentação dos blocos, nós estamos com essa discussão de um novo local para a distribuição dos desfiles e que não tenha impacto para que componentes, jurados e produção em geral possam chegar”, conta.

Segundo Alexandre, a Matriz do Samba, como é conhecida a entidade mais antiga, ainda em atividade, do carnaval de São Paulo, é o nascedouro das demais agremiações, que hoje brilham no ‘grupo de elite’. As pessoas não reconhecem a UESP como deveriam. Não sabem diferenciar UESP de LIGA SP, o que é grupo de acesso e especial. Sentimos isso, principalmente quando vamos procurar empresários e patrocínio. Eles não reconhecem a importância da entidade e sempre temos que explicar a origem e importância da nossa existência”

A força da comunidade e o papel social das agremiações

Como reforçou o presidente, durante a entrevista, os desfiles não são grandiosos, porém, são autênticos e contam com a participação de todos da comunidade, no processo de preparação. “Trata-se de um carnaval acessível, ou seja, feito pelo povo para o povo! A comunidade é presente e o trabalho voluntário é o que contribui para a realização do projeto, em todas elas. Diferente das escolas do Grupo Especial, que detém patrocínios e outra fontes de apoio financeiro, na UESP dependemos, exclusivamente, da prefeitura. Temos um cachê artístico, e sem ele, dificilmente as escolas periféricas de base, que estão no nascedouro e sob a tutela da UESP, conseguiriam levar seus desfiles para a pista. Não cobram fantasias, tudo o que é produzido depende de uma ação da sua comunidade, ou seja, do trabalho voluntário. Sem a verba, a escola não consegue concretizar seu desfile”, conta.

Segundo ele, essas agremiações dependem muitas vezes, de concessões ou até conseguem pagar um aluguel para terem uma quadra ou barracão. Porém, algumas recebem ações de despejo e acabam se afastando para localidades mais periféricas, o que acaba impactando no desenvolvimento do trabalho, uma vez que, são obrigadas a migrar para um bairro distante, deixando de estar no coração do seu bairro, perdendo o trabalho voluntário de pessoas que não tem condições financeiras para acompanhar sua escola. “A corda sempre vai estourar no lado da cultura, principalmente a negra e no carnaval, ainda tão marginalizados. Muitas pessoas se dedicam por honra ao pavilhão mesmo”, pontua.

“Todos que estão hoje no grupo de elite, já passaram pela UESP. Além disso, alguns voltam. Somos a ‘entidade mãe’, que acolhe o filho que volta, quando enfrenta problemas no casamento ou algum outro tipo de situação. A mãe orienta e mostra como a vida lá fora funciona. Esta é a função da UESP. Somos uma entidade totalmente matriarcal”, compara o presidente.

Unidos de Guaianases
Unidos de Guaianases

O presidente também destaca a importância das escolas de samba, enquanto ‘agentes sociais’, ou seja, o espírito de solidariedade vai muito além do que a reunião no barracão para a construção de um carnaval: “Escolas de samba alcançam locais, onde o governo não chega. Somos uma espécie de controladores sociais. Entramos em comunidades que eles não conseguem. Isso é que eu quero fortalecer, a escola de samba enquanto ONG, semente de projetos sociais, que se estabeleça e seu papel social seja reconhecido em sua comunidade. Estamos vendo agora, no momento de crise, as agremiações se desdobrando, produzindo máscara, arrecadando alimentos, distribuindo cestas básicas, cedendo seus espaços para a distribuição de material, entre outras ações. Esse é o legado que queremos manter!”.

Expectativas para 2021

A entidade mantém a agenda dos trabalhos, mesmo com a situação atual de isolamento social por conta do novo Coronavírus. Porém, Nenê faz questão de pontuar a importância das ações com o objetivo de minimizar os números de infectados com a doença. “Estamos com uma preocupação muito grande. A incerteza está dominando, mas não temos como discutir carnaval com o prefeito neste cenário, em que todos nós estamos preocupados com o combate ao vírus e a prefeitura se dedicando na organização dos hospitais de campanha, entre outras ações voltadas ao combate. Entendemos que a saúde é prioridade, mesmo porque, sem saúde perdemos pessoas e sem elas não temos carnaval. Nós ainda não sabemos como será 2021, porque não dá para estabelecer um caminho do COVID-19 em nossas vidas. Na China, por exemplo, teve segunda onda e aqui, nós não estamos nos comportando para que a curva desça

Nenê conta que algumas etapas serão antecipadas, justamente por não haver certeza sobre realização ou uma data definida. A primeira delas, o sorteio de ordem dos desfiles, será realizado virtualmente, entre final de maio e a primeira quinzena de junho. “Temos que seguir assim e cuidar dos nossos. A escolas de samba têm função de ONG, ou seja, que cuida do próximo. E assim seguimos tomando todo cuidado das comunidades. Não podemos realizar nada que tenha aglomeração, uma vez que neste meio temos muitas pessoas que são do grupo de risco como idosos, diabéticos e hipertensos. Não posso colocar as pessoas em situação de aglomeração e alto risco de disseminação do vírus”, pontua.

À frente da entidade desde 2017 e com mandato, até 2021, Alexandre comenta ter passado por maus bocados para colocar tudo em ordem. “Minha gestão teve muitos altos e baixos. Passei por muitas turbulências e agora, o COVID-19. Tem também, a situação financeira; estou reconduzindo a casa para o equilíbrio. Eu apaguei tantos incêndios, que já me chamam de bombeiro. Tivemos também avanços como por exemplo, o equilíbrio financeiro da casa.  Outro ponto é a aproximação da câmara municipal, do prefeito, ou seja, nós equilibramos nossas ações políticas dando passos largos e isso é muito importante para a conquista de melhorias, na realização das apresentações. Tivemos um avanço nesse quesito e tenho a certeza de que vai ficar um legado importante, porque já somos reconhecidos, hoje, por conta dessas conquistas”, comemora. 

“Pretendo passar por este momento difícil e quero, ao final da minha gestão, a UESP tendo a notoriedade do carnaval tradicional, de carnaval feito do povo para o povo, aquela coisa de ter o carinho das pessoas, calor humano, componente próximo ao público que consegue até tocar em nossas fantasias. Fazer com que as pessoas percebam a diferença dos nossos desfiles e a importância deles, que vão além de um espetáculo e transmitem muito ensinamento”, afirma o atual presidente.

Gestão Ambiental na avenida

Alexandre é turismólogo e estuda atualmente Gestão Empresarial. Segundo ele, a capacitação o tem ajudado muito, na organização dentro da UESP. Entre os destaques das ações sob sua coordenação está a gestão ambiental adotada na coordenação do carnaval. Praticamente todas as atividades são realizadas por meios digitais e utilizando dispositivos móveis. “Não usamos mais o papel na avenida. Para fazer a checagem da escola de samba, nós tínhamos o regulamento impresso. Hoje, nosso pessoal utiliza tablets na contagem, por meio de um sistema que faz imediatamente o envio das informações para uma central e contabiliza os votos. Isso é um legado da nossa administração. Adotamos dinamismo incluindo todas as informações das agremiações no sistema.”

“O próximo passo é transformar a votação do jurado para que seja online. Ainda não fizemos por uma questão de segurança, uma vez que um sistema digital pode ser corrompido ou passar por algum tipo de invasão de hacker.  Ainda não tiramos o papel do jurado para não corrermos riscos, mas estamos estudando uma forma de fazer isso com segurança”, pontua.

Velha Guarda de Ouro e importância da UESP

Na UESP está a raiz do carnaval. Existe um grupo de notáveis do samba com mais de 50 membros, que se chama Embaixada do Samba Paulistano. “Temos o que comparamos a Academia Brasileira de Letras, ou seja, o grupo é o supra sumo do carnaval. Pessoas que lutaram e levaram ‘borrachada’, nos tempos da ditadura, por exemplo, fazem parte dessa elite. A maioria de sambistas e notáveis que têm uma pasta dentro da Uesp. São os guardiões do carnaval que contam toda a história vivenciada, para podermos seguir um caminho. Graças a eles, estamos aqui!”, exalta.

Embaixada do Samba Paulistano
Foto: Daniel Amorim
Embaixada do Samba Paulistano
Foto: Daniel Amorim
Embaixada do Samba Paulistano
Foto Daniel Amorim
Eventos realizados pela UESP

A entidade realiza alguns dos principais eventos do calendário carnavalesco, entre eles: atividades em comemoração ao Dia Nacional do Samba, a escolha da corte do carnaval paulistano, concurso miss UESP, passista e rainha do carnaval, além de seminários e fóruns. A UESP criou e mantém a Escola de Formação de Avaliadores e o Centro de Documentação e Memória do Samba com vasto acervo sobre a história do carnaval e das escolas de samba de todo o Brasil.

Números UESP
  • 3 bairros de São Paulo
  • 500.000 expectadores
  • 64 agremiações filiadas
  • 500 profissionais envolvidos na coordenação
  • 400 seguranças particulares
  • policiais militares
  • 100 policiais civis
  • 8 ambulâncias e 8 equipes médicas
  • 300 banheiros químicos

(Fonte: site oficial da UESP)

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Mônica Silva

Paulistana, da Freguesia do Ó. Jornalista, assessora de imprensa, especialista em produção editorial para publicações em segmentos diversos. Sempre teve Rosas de Ouro como primeira referência de carnaval. Já desfilou pelo Império de Casa Verde e também frequenta ensaios nas quadras das principais agremiações da zona norte.

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